Por Antonio C. Mazzuco e Jorge Roberto Khauaja*
Nos últimos meses, temos assistido a sucessivos prejuízos e reestruturações no setor aéreo brasileiro. Soma-se a esse panorama as fusões e aquisições, a concentração do mercado e a inflação, frente a uma demanda interna que aparenta estar se acomodando.
Esse cenário desafiador é complexo, mas aprimoramentos regulatórios como uma maior abertura ao capital estrangeiro poderiam trazer novo folego ao mercado, o qual será fundamental não apenas para o desenvolvimento da economia nacional, como para os grandes eventos esportivos que batem a nossa porta.
Historicamente, o setor possui margens de lucro muito estreitas e, considerando que o planejamento de expansão de frotas, novas rotas, variações cambiais, etc., é sempre realizado a longo prazo, qualquer alteração de mercado afeta direta e rapidamente os resultados, como estamos acompanhando recentemente.
Analisando-se a situação específica das maiores empresas nacionais, elas realizaram operações de incorporação de companhias regionais e agora estão refletindo em seus balanços tanto o investimento realizado, quanto as acomodações necessárias em relação à restruturação organizacional, incluindo com redução de pessoal, devoluções de aeronaves, desativação de algumas linhas, o que certamente contribuiu para os resultados.
Além disso, como já mencionado, houve uma retração no mercado externo e uma acomodação do mercado nacional.
Analisando-se aspectos estruturais, certamente o famigerado “custo Brasil” também pesa. Nesta conta, entram a elevada carga tributária (sobre a operação em si e folha de pagamento), variação cambial e precariedade da infraestrutura aeroportuária, que, além de cobrar taxas altíssimas, quase nunca oferece serviços de qualidade em troca.
Aeroportos mal equipados e com problemas estruturais geram desgaste maior dos equipamentos, maior consumo de combustível e maior necessidade de estrutura operacional em terra (seja própria ou terceirizada).
Embora o ingresso do capital e conhecimento internacional no setor seja uma solução natural, essa medida esbarra na histórica regulação protecionista do setor aéreo no Brasil, que trata o transporte aéreo como uma questão de soberania nacional, levando a criação de uma legislação extremamente rigorosa que até funcionou no passado, mas que no atual cenário mundial não faz sentido.
Atualmente, a legislação prevê um percentual máximo de 20% de participação de empresas e/ou investidores estrangeiros no capital votante das empresas aéreas brasileiras. Qual a razão desse número? Será que um investimento maior dos grandes “players” num mercado potencial como é o Brasil hoje não traria maior competividade, qualidade e crescimento ao mercado de transporte aéreo?
Além do potencial do capital estrangeiro no transporte regular de passageiros, o setor de cargas, infraestrutura, incluindo-se a concessão para aeroportos, serviços auxiliares (manutenção, “ground-handling”) e especialmente no setor de prestação de serviços para as operações de plataformas e similares “off-shore”, traz grandes oportunidades e uma demanda que vai crescer muito nos próximos anos.
Se o investidor acreditar no potencial de exploração do pré-sal, por exemplo, e os cronogramas de operações dos campos licitados forem cumpridos vai faltar helicóptero e piloto para realizar os serviços de transporte entre as bases no continente e os locais de exploração, que só podem ser alcançados de forma rápida pelo ar.
Ademais, todo o setor de suprimento para as operações pode ser alimentado através do transporte aéreo de carga, utilizando-se os aeroportos regionais próximos as bases de operação das empresas (Cabo Frio, Macaé e Campos no Rio de Janeiro, Vitória no Espírito Sant o, dentre outros).
Em outros países, as regras menos restritivas mostram bons resultados. As legislações variam muito, mas nos países desenvolvidos a questão do transporte aéreo é tratada mais como um segmento do setor privado, em que o desempenho econômico é que funciona como atrativo para investidores, além, é claro, da capacidade da infraestrutura de operação dos aeroportos, quase todos operados pela iniciativa privada através de modelos de concessão variados. Mas o foco é sempre no resultado, no serviço oferecido ao usuário e na segurança da operação.
A palavra chave é competitividade. Para ser competitivo, o setor precisa ser livre para oferecer alternativas e se tornar atrativo. Dá para fazer isso sem perder o controle.
Propostas de alteração da legislação referente especialmente à participação no capital votante das empresas aéreas nacionais existem, mas dependendo da situação econômica às vezes “adormecem” e saem do foco.
Agora, com todos os próximos eventos e a constatação mais uma vez da real e urgente necessidade de modernização da indústria de transporte aéreo no Brasil (onde se inclui desde a situação da operação dos aeroportos até a competitividade no setor de transporte de passageiros), o debate deve voltar a ganhar importância.
* Antonio C. Mazzuco e Jorge Roberto Khauaja são, respectivamente, sócio e associado do escritório Madrona Hong Mazzuco Brandão – Sociedade de Advogados (MHM).