Por Antonio C. Mazzuco, Jorge Khauaja e José Mauro Ramos Neto*
A exportação brasileira de produtos tem aumentado nos últimos anos. Em 2012, o volume de exportação somente no setor agrícola brasileiro atingiu US$ 95,81 bilhões. Em 2013, é esperado que o valor da produção das principais lavouras chegue a US$ 305,3 bilhões, um aumento de 26,3% em relação a 2012. Estima-se que o PIB agropecuário brasileiro cresça de 4% a 5%**.
Neste cenário, o Brasil tem promovido mudanças legislativas para incentivar o setor de exportação do país. Além disso, desde 1999 (Lei 9.818), o Brasil tem um sistema de garantia de exportação bem organizado e sofisticado que é, no entanto, desconhecido por muitos importadores de produtos brasileiros, bem como por instituições financeiras.
No tocante às operações de financiamento de comércio, normas do Banco Central do Brasil foram recentemente alteradas para: (i) reintroduzir a capacidade de qualquer entidade estrangeira (e não apenas importadores), incluindo instituições financeiras, de realizar operações de pré-pagamento de exportação (Carta-circular nº 3.604 de 28/06/2012); e (ii) aumentar de 360 dias para cinco anos o período de isenção tributária para o pré-pagamento de exportações (0% IOF).
As transações e operações que excederem esse período ainda pagam uma taxa de 6% de IOF, desde então classificado como uma transação de crédito (Carta-circular nº 3.617 de 04/12/2012).
Em 04/03/2013, o Brasil depositou junto às Nações Unidas o instrumento que ratifica sua adesão à Convenção de Viena sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG) – a chamada “Convenção de Viena de 1980”. Em 19/11/2012, o Congresso brasileiro já havia aprovado o Decreto-Lei nº 538, pelo qual o país aderiu à Convenção. As regras da CISG entrarão em vigor no Brasil a partir de abril de 2014.
A CISG fornece regras sobre formação de contratos, direitos e obrigações do vendedor e do comprador e é aplicável aos contratos de compra e venda de mercadorias entre as partes cujos locais de operação estão em Estados diferentes, a fim de reduzir os obstáculos jurídicos ao comércio internacional e evitar conflitos legais. Os princípios da CISG são a autonomia das partes e os usos e costumes no comércio internacional.
Ao celebrar um contrato e desde que seus respectivos países de domicílio tenham aderido à CISG, as partes reduzirão os custos de transação que existiriam em decorrência das incertezas resultantes de diferentes leis aplicáveis.
Em outras palavras, se a legislação aplicável às partes do contrato é diferente, os custos do negócio aumentariam significativamente para superar, antes da celebração do contrato, a falta de informação e os riscos legais envolvidos na transação. Se os países do domicílio das partes adotaram a CISG, os custos de transação irão diminuir já que as partes estarão familiarizadas com as normas e regras aplicáveis à transação.
A CISG já foi aprovada por vários países como os Estados Unidos, Argentina, China e outros países europeus. Como um ator global, a adesão do Brasil às regras da CISG pode ter um impacto direto sobre o volume de transações do país, particularmente com a China e os países do Mercosul.***
As vantagens para o comércio internacional de mercadorias do Brasil podem ser evidenciadas pelos números: (i) em 2012, uma grande quantidade de operações de commodities foram feitas com a China: 17,3% de todas as mercadorias exportadas pelo Brasil foram para a China e 14% das mercadorias importadas de lá; e (ii) 41% das transações são celebradas com países do Mercosul. Portanto, a adoção de regras comuns reduzirá a incerteza em operações de comércio exterior e impulsionará o comércio entre o Brasil e seus principais parceiros comerciais.
A CISG não é aplicável às vendas de mercadorias adquiridas para uso pessoal, por leilão, por execução judicial ou por outras medidas legais, ações, valores mobiliários, títulos negociáveis ou dinheiro, de navios, embarcações, aerodeslizadores (“hovercrafts”) ou aeronaves e eletricidade. A venda dessas mercadorias ainda deve ser submetida à lei brasileira aplicável em vigor.
Além do incentivo da CISG, o Brasil é um dos países que possuem um mecanismo de garantia de financiamento de crédito à exportação. A garantia pode ser obtida por exportadores brasileiros contra o risco de não pagamento por seus clientes estrangeiros. Mais especificamente, os exportadores podem obter cobertura contra riscos comerciais caracterizados por simples mora, liquidação ou falência e riscos políticos e/ou extraordinários, exemplificado por ações tomadas pelo governo do país do importador ou por outros eventos específicos que impeçam o pagamento de uma dívida (moratória, guerra, confisco, etc.).
Esta garantia é fornecida para operações com vencimento superior a dois anos e, em geral, está relacionada a projetos envolvendo bens de capital, serviços e outros contratos específicos.
A garantia é concedida pelo Governo Federal Brasileiro, por meio do uso de fundos do FGE – Fundo de Garantia à Exportação criado pela Lei nº 9.818/99, e é dividida em duas categorias:
CRÉDITO DE FORNECEDORES: a garantia é concedida por conta do EXPORTADOR. Assim, o próprio exportador concede crédito ao seu cliente no exterior. No entanto, o exportador poderá solicitar um contrato de refinanciamento (que pode ser acordado por um desconto de notas promissórias provenientes da operação de exportação), transferindo os direitos de crédito certo para a instituição financeira que realizou o refinanciamento.
CRÉDITO DE COMPRADORES: a garantia é emitida em nome do banco. O exportador recebe um pagamento antecipado de seu comprador, originado de um contrato de financiamento entre o importador e a instituição financeira. Esta garantia pode ser concedida a qualquer instituição financeira que está disposta a fornecer tal financiamento, incluindo bancos oficiais (BNDES e Banco do Brasil) ou qualquer instituição privada devidamente autorizada a operar no Brasil.
Em 2010, o FGE desenvolveu a primeira garantia de cobertura pura com um privado do banco – Natixis – para o financiamento de uma aeronave da Embraer para NAS – Serviço Nacional Aéreo da Arábia Saudita. Isso foi eleito pelo Airfinance’s Journal Middle East como o Negócio do Ano.
Financiamento de crédito à exportação tem sido um importante instrumento para aumentar a competitividade das grandes empresas brasileiras, especialmente na América Latina e mercados não tradicionais como a África, Oriente Médio e em diversas áreas tais como aeronáutica, energia (etanol), infraestrutura (estradas, portos) e setor de transportes.
Recentes alterações regulatórias, juntamente com a consolidação do sistema de garantia de financiamento de crédito à exportação, tornarão as regras brasileiras para a venda internacional de mercadorias mais seguras e previsíveis, reduzirão a incerteza e o custo de transação e estimularão o setor de exportação brasileiro.
* Antonio C. Mazzuco, Jorge Khauaja e José Mauro Ramos Neto são, respectivamente, sócio e associados do escritório Madrona Hong Mazzuco Brandão – Sociedade de Advogados (MHM).