Por Paulo Westmann*
De tempos em tempos surgem expressões e frases que se notabilizam pelo seu impacto, independente de análises e reflexões mais profundas. É o caso de Cidades Inteligentes, que entrou no cotidiano das pessoas com o avanço da tecnologia veicular, que carece de vias igualmente inteligentes para “conversar” com sistemas embarcados.
Atrás dessa expressão se esconde uma sucessão de erros e equívocos perpetrados sobre as cidades e que foram se acumulando ao longo de décadas. Quem não gostaria de morar numa cidade inteligente? São Paulo, por ser a maior cidade do Brasil e uma das maiores do mundo, é acusada de ser burra e as análises que são feitas procuram confirmar essa tese.
Entretanto, da mesma forma que os articulistas que escrevem sobre mobilidade avalizam esse discurso e propõem uma cidade cheia de encantos advindos de tecnologias veiculares e de aplicativos que possibilitam integrar meios de transportes, pessoas, trabalho e lazer sem desperdiçar tempo.
Quem conhece São Paulo ou mesmo esteve por aqui alguma vez deve ter notado as suas avenidas, rios (Tietê, Pinheiros e Tamanduateí) e lagos circundantes, como Guarapiranga e Billings. Abrimos avenidas justamente sobre o leito de rios e córregos canalizados ou paralelas a eles. Rios como o Tietê e o canal do Pinheiros em outras partes do mundo seriam os cartões postais de Paris, Londres, Budapest e Cairo, isso para citar apenas alguns poucos casos.
Nós demos as costas aos rios e nunca os exploramos como vias naturais para o transporte. Mesmo hoje há quem defenda essa prática pregando que se faça uma grande avenida sobre os mesmos…
A avenida Paulista se tornou polo de atração turística e cultural e graças a isso o fluxo de pessoas nesse local é intenso nos dias úteis e nos finais de semana, nos horários de comércio e nas madrugadas.
Diversas outras avenidas possuem condições de se transformar em grandes áreas de lazer, entretenimento e de passagem de pedestres a pé ou de bicicleta. Falta definir e executar esses projetos que não são complexos e nem dispendiosos, pois devolveriam o charme e o glamour que essas regiões do centro da cidade já tiveram em outras épocas.
Antes da implantação de novas propostas, talvez seja hora de estancar oportunismos e medidas aventureiras e aproveitar o que a cidade já tem de inteligência instalada.
Outro dia assisti na TV a uma entrevista com o consagrado escritor Vargas Llosa e fiquei agradavelmente surpreendido quando respondeu ao entrevistador que mesmo tendo morado nas principais cidades do mundo, como Paris, Londres e Nova York atribuía a Berlim e a São Paulo o destaque das cidades mais pulsantes e promissoras da atualidade.
É difícil compreender a diferença entre cidades inteligentes e aquelas que não o são. Todos entendem, porém, que para viver livre da permanente disputa por espaços, já que o Centro de São Paulo com infraestrutura implantada expulsa os seus moradores para distâncias acima de 40 quilômetros, há que se prover uma estrutura de transporte compatível com essa realidade.
Esse modelo deformado está reproduzido na região de Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Sorocaba, Santos, São José do Rio Preto e, sem medo de errar, em todas as cidades com mais de 50 mil habitantes. Morar nessas cidades ficou tão caro que o jeito foi sair dali.
Nos locais periféricos dessas cidades não há, entretanto, escolas, hospitais, postos de saúde e trabalho, o que obriga os seus habitantes a deslocamentos diários para os “centros” que se inclinam a se tornarem inteligentes.
Na Coreia do Sul, rios até então canalizados foram “descanalizados” e recuperados, voltaram a fazer parte da paisagem urbana. A produção de energia em muitas cidades da Europa é feita pelo sol, pelo vento e pelo gás em todas as suas formas, sem desprezar outras já existentes, mas de olho na possibilidade de eliminação dos altos custos de transmissão. Sabemos que o futuro depende de energia, e que a sua produção pode ser facilitada, barateada e tornada acessível para muito mais gente.
O sucesso do cultivo e vegetais hidropônicos associados a hortas comunitárias barateiam a dieta saudável de milhares de pessoas que até anteontem estavam asfixiadas em apartamentos nas cidades comendo produtos colhidos a centenas de quilômetros e mantidos sob refrigeração por longos períodos.
A inteligência de uma cidade será proporcional à inteligência de seus habitantes, dirigentes ou moradores, e em tempos de avanços tecnológicos sem limites resta pensar e repensar o modo de vida que poderemos ter assimilando esses desenvolvimentos em nossas vidas.
*Paulo Westmann, consultor em tecnologia e transporte, é membro do Comitê Ferroviário do Congresso SAE BRASIL 2017.