Hoje, logo cedo, tinha um compromisso em São Paulo – eu moro em Santo André e a questão mobilidade é essencial para saber se você vai conseguir chegar no horário e cumprir com o compromisso assumido, muito atrasado ou até mesmo ter de remarcar uma reunião.
O motivo do encontro era realizar uma entrevista com a executiva Fátima Lima, presidente da Câmara Temática de Mobilidade Sustentável (CTMobi) – criada em janeiro de 2013 para discutir alternativas sustentáveis de mobilidade nos centros urbanos do País.
O CTMobi é apenas uma das câmaras temáticas do Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), uma associação sem fins lucrativos que existe desde 1997, sendo expoente e referência para temas de meio ambiente e sustentabilidade no Brasil. A entidade reúne hoje mais de 70 empresas associadas que representam mais de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O discurso dessa narrativa está sendo feito na primeira pessoa uma vez que para chegar à avenida Brigadeiro Luis Antonio, em São Paulo (o local da entrevista), eu pensei: vou de carro? Bom se for de carro eu saio de Santo André (pego a via Anchieta, Ipiranga, atravesso aqui, viro ali: 1h00 a 1h30 minutos para chegar ao local). Vou de trem? Bom ai pego o metrô no Tamanduateí e chego em 40/45 minutos. Perfeito. Opção 2.
O que eu me esqueci de mensurar – na logística da mobilidade escolhida – foi que o trem estava apinhado de gente. Precisei esperar duas composições para entrar. Ao meu lado uma mocinha com idade da minha filha, em pânico: “vim de São Bernardo (de trólebus) para pegar o trem e o metrô aqui, estou atrasadíssima e não consigo entrar. Preciso ir até a filial da minha empresa na Liberdade”, disse ela olhando na minha cara.
Nesses momentos de estresse as pessoas tendem a desabafar, falar e até mesmo xingar com o primeiro que veem na frente e ela me escolheu como ombro ‘amigo’.
Perguntei: “você está vindo de São Bernardo para ir à Liberdade, via Santo André? Não seria mais fácil pegar o trólebus para Diadema e de lá pegar a conexão para o Jabaquara?”
Resposta: “sim, mas o problema é que levo 1h00 a 1h30 para ir de São Bernardo ao Jabaquara e vindo para Santo André (trólebus, trem + metrô) levo 45 minutos”.
“Uau, ela fez a mesma conta que eu fiz antes de sair de casa: 40 a 45 minutos estamos em São Paulo. O problema é que trens e metrôs estão querendo quebrar à regra regida pela física que prega o seguinte: dois corpos sólidos não podem estar no mesmo espaço ao mesmo tempo. Ou seja, não dá para entrar no trem ou no metrô sem pisar no pé de alguém ou sofrer um pisão ou tomar uma malada ou uma bolsada, além de empurrões e trancos”.
Muito bem, enquanto eu pensava comigo mesmo, o trem veio, o terceiro que aguardávamos. Deu para entrar no vagão, mas sabe aquela brincadeira do ‘como está, fica’? Se você (entrou no trem) com a mochila na altura do peito, impossível descê-la até o pé. Entrou com ela do lado do corpo, só vai mexer quando o trem esvaziar. E assim fomos até a estação Tamanduateí – na base do como está fica. A estação é a que dá ramal para o metrô. Chegamos e não descemos, fomos expurgados da composição. Só vi a mecha do cabelo loiro da mocinha se perdendo naquele mar de gente brigando por meio metro quadrado de espaço na composição do metrô.
Não sei o nome dela, a idade, ou o que faz. O que nos uniu foi a logística da mobilidade insustentável que assola o dia a dia das pessoas que trabalham e precisam se deslocar de casa para o trabalho e do trabalho para casa.
Toda essa estória – de uma quinta-feira de manhã – serve para elucidar exatamente um dos pontos que a presidente da Câmara Temática de Mobilidade Sustentável (CTMobi), Fátima Lima, trataria com executivos e profissionais de empresas que fazem parte do CEBDS – após a minha entrevista. Antes de se reunir com eles, eu fui lá para falar de ‘mobilidade’ vejam só.
Os temas que o grupo vem discutindo há um ano se concentram em dois quesitos: a mobilidade corporativa e a renovação de frota.
“Fernando, os temas escolhidos partem do desejo e da necessidade de nossos associados. Um deles é a mobilidade corporativa, que visa avaliar como as empresas podem ajudar seus colaboradores a sair de casa e chegar ao trabalho na hora certa e a sair do trabalho e chegar em casa sem traumas”, disse.
Quando ouvi isso, não resisti. Contei a epopeia que foi a minha logística da mobilidade insustentável e ao ouvir a estória ela sorriu e consentiu positivamente com a cabeça dizendo: “é isso. Ninguém aguenta mais.”
“A mobilidade corporativa está afetando não apenas o dia a dia das empresas e corporações, mas a saúde das pessoas que precisam trabalhar. Estamos assistindo a uma curva descendente de produtividade e de sequelas geradas pelo problema e o objetivo é mensurar a questão para que seja tratada, debatida e organizada pelos poderes públicos e pela iniciativa privada”, disse.
Mas o que vem a ser mobilidade sustentável? É a mobilidade e o deslocamento de pessoas para um jogo da Copa do Mundo, para um show no estádio do Morumbi, é a aplicação de um sistema de telemetria que permite o deslocamento automático de trens, metros, VLTs?
Para Fátima Lima, o tema vai do simples deslocamento de uma pessoa até o trabalho, como a definição de rotas e caronas compartilhadas. Mas na verdade não é só isso. É muito mais e envolve todo o contexto dos modais – rodoviário, aéreo, ferroviário e naval (de pessoas e de cargas).
“Estamos amadurecendo as ideias, os problemas, as possíveis soluções”, relata o vice-presidente do CTMobi, Felipe Salgado, ao destacar que a meta é ter um plano de trabalho que minimize a questão. “O problema existe e é reconhecido por todos e não adianta simplesmente jogar a culpa em A, B ou C, mas traçar soluções possíveis, negociar com os governos municipais, estaduais e federal formas de mitigar e até mesmo resolver o problema.”
Ao ouvir essas considerações, brinquei se ao governo não caberia à criação de um programa específico ao tema. Assim como existe o Inovar-Auto (com benesses claras e óbvias ao setor automotivo), não seria o caso de se criar o Inovar-Mobilidade, que daria ênfase e benefícios não para um único setor da economia, mas para iniciativas que abrangessem toda a sociedade.
“A mobilidade está apenas no discurso”, respondeu a presidente do CTMobi, Fátima Lima. “O tema está na pauta, está no radar, mas ainda de forma muito incipiente. Precisamos avançar e a constituição desta câmara (a Câmara Temática de Mobilidade Sustentável ) vem no sentido de trazer a temática à tona”.
Autora de um amplo estudo sobre a sucata no Brasil, Fátima Lima ressalta que as políticas públicas dão ênfase total à construção e produção de veículos, mas nada dizem, nada apontam e não dão a mesma ênfase quando você precisa descontruir um automóvel. “Não há subsídio, apoio, ajuda”, relata. “Produzir, sim, mas pegar o carro velho, higienizá-lo (extrair fluidos) e permitir que ele possa ser reciclado não conta com apoio ou incentivo”, diz a executiva ao destacar que nos Estados Unidos 70% dos veículos velhos são reciclados.
Ao apontar essa questão, passamos a tratar do segundo grande tema de estudos do CTMobi: a renovação de frota, um programa que envolve entidades relevantes da economia e que já conta com programas bastante fortalecidos em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o governo local lançou em 2013 o Programa de Incentivo à Renovação, Modernização e Sustentabilidade da Frota de Caminhões. Pelas regras do programa, frotistas podem comprar caminhões zero Km com incentivos fiscais, isenção de ICMS e taxas de juros – em casos de financiamento as taxas são subsidiadas e os prazos podem chegar a 48 meses.
Caso aceite a proposta, o autônomo ou frotista que quiser comprar um caminhão novo na modalidade tem que dar o velho: ai ele recebe um certificado de destruição e só com esse certificado em mãos ele poderá ir a uma revenda e comprar o bruto novo. O velho vira sucata.
Em São Paulo o programa batizado de ‘Renova SP’ começou antes, através de projeto-piloto do governo local com a Codesp e sindicatos de caminhoneiros do Porto de Santos. Quem faz a gestão do programa é o Desenvolve SP que busca apoio no BNDES para o financiamento de veículos novos em prazos que podem chegar a 96 meses – sendo seis meses de carência. Se a opção do financiamento for pelo governo paulista, o juro é zero. Caso queira simular um financiamento, acesse o link http://desenvolvesp.com.br/simulador-empresas.
Aqui em São Paulo, 30% dos 610 mil caminhões registrados no Detran/SP têm mais de 30 anos de uso. A idade média da frota de caminhões é de 18 anos e a meta é reduzir isso para cinco anos. No Rio de Janeiro, a média é de 17,1 anos e a meta é reduzir essa idade média para até 12 anos até 2018.
“Há um longo caminho a ser trilhado, mas a CEBDS e o CTMobi trabalham para que mais agentes de mercado se envolvam na questão, de forma a termos uma solução eficiente ao tema”, destaca Fatima Lima.
Além da Câmara Temática de Mobilidade Sustentável (CTMobi), o CEBDS também conta com câmaras temáticas da Água, Biodiversidade, Clima, Comunicação, Finanças, Materiais e a mais recente a da Mobilidade.
Para mais informações, acesse: http://cebds.org.br/
Como eu cheguei em casa? Metrô, trem e chuva de granizo ao descer na estação. É mole?