O crescimento do setor automotivo – que traz consigo o aumento da produção de pneus – é um das grandes molas mestras do setor de borracha natural, cujo consumo vem crescendo acima da média mundial, da ordem de 350 mil toneladas por ano – para uma produção interna de 150 mil toneladas anuais.
São Paulo, Mato Grosso e Bahia concentram 80% da produção do insumo, mas regiões como Espírito Santo, Rio de Janeiro e, mais recentemente o Paraná, se mobilizam diante da cultura.
Para entender melhor a dinâmica do setor, a Transportepress.com falou com Diogo Marques de Azevedo Esperante (Gestor da Fazenda Santa Helena do Meio e do Viveiro de Seringueiras Santa Helena Agrícola e Presidente do Conselho Deliberativo APABOR) e com o Heiko Rossmann (Diretor Executivo da Apabor e destacadamente um dos maiores especialistas brasileiros em heveicultura).
Confira abaixo a entrevista de perguntas e respostas com os dois executivos, lembrando que o segmento de heveicultura tem encontro marcado entre os dias 24 e 26 de julho, em Guarapari (ES), momento em que se realizará o II Congresso Brasileiro de Heveicultura – onde se discutirão análises conjunturais com cenários prospectivas da produção e do mercado da borracha natural, a formação de preços e as novas formas de comercialização do insumo, além de inovações tecnológicas no cultivo e manejo de mudas.
Outro destaque é o comportamento de clones de seringueiras no Brasil, com cases da Bahia, Espírito Santo, São Paulo e região Centro-Oeste.
Transportepress.com – Qual o tamanho do mercado brasileiro de borracha natural hoje? A capacidade de produção nacional versus a importação.
Diogo Marques de Azevedo Esperante – O mercado brasileiro de consumo de borracha natural é atualmente de aproximadamente 350 mil toneladas por ano. Durante o período 2000/2008 o consumo brasileiro cresceu 5,2%, um valor acima da média mundial, de 4,2%.
Contudo, a produção nacional de borracha natural é de pouco mais de 150 mil toneladas por ano. Para o mesmo período (2000/2008), a oferta brasileira cresceu menos que as taxas mundiais, 2,6% contra 4,0%, respectivamente.
Podemos concluir que o déficit cresceu quase duas vezes e meia mais que a oferta. Em 2008 a oferta nacional supriu apenas cerca de 30% da demanda. Esse déficit é atendido pelas importações provenientes do Sudeste do Pacífico, atingindo em 2008 o valor de US$ 257 milhões, através da importação de mais de 233 mil toneladas de borracha natural.
Transportepress.com – Quais são os Estados mais produtivos?
Diogo Marques de Azevedo Esperante – A produção de borracha natural nacional é concentrada em poucos Estados, com destaque para os Estados de São Paulo, Mato Grosso e Bahia, que juntos representam 80% da produção.
São Paulo é o principal produtor com 55% (60 mil toneladas de borracha seca em 2009), em uma área de mais de 45 mil ha. Sua produção é concentrada na região noroeste, conhecida como “Pólo da Borracha”.
A região de São José do Rio Preto, o centro deste Pólo, engloba 90% da área plantada do Estado. O cultivo é predominantemente realizado em pequenas propriedades (tamanho médio de 17 ha), sendo os mais produtivos do Brasil (1.300 kg/ha por ano).
Vale ressaltar que o Estado de São Paulo tem uma produtividade semelhante a dos países mais produtivos do mundo, como a Tailândia (1.230 kg/há), Indonésia (820 kg/há) e a Malásia (860 kg/há) por ano. Há referências de que em algumas regiões de São Paulo se atingem valores superiores a 1.500 kg/ha por ano, ou seja, 21,3 mil ha por ano. A maior parte dessa produção se distribui por 29 cidades, sendo as principais: General Salgado (10,7 mil ha), Barretos (7,8 mil ha), Votuporanga (6,4 mil ha) e Tupã (4,2 mil ha).
Transportepress.com – Especificamente sobre a Apabor quantos são os produtores e beneficiadores associados.
Heiko Rossmann – A associação tem hoje 14 usinas de beneficiamento associadas e representa mais de 4.300 heveicultores.
Transportepress.com – Qual o papel desempenhado pela Apabor em prol da defesa da heveicultura nacional, seja no sentido de educação e cultura do produtor, de pesquisa e desenvolvimento da cultura, de formação de preços, de negociação com a indústria, de formação de estoques.
– O “Polo da Borracha” também concentra grande parte das usinas beneficiadoras do Brasil, responsáveis por mais de 65% de todo GEB (Granulado Escuro Brasileiro), e que possuem capacidade de processar toda a produção nacional.
Em sua maioria a atividade destas beneficiadoras se apoia no volume de compra das indústrias pneumáticas que, por sua vez, adquirem mais de 2/3 da produção do composto no País.
O preço do GEB é apurado bimestralmente com base em uma metodologia acordada entre as usinas beneficiadoras (processadoras) e a indústria pneumática. (Para mais detalhes acesse o artigo http://www.santahelenaagricola.com/2012/06/como-sao-formados-os-precos-da-borracha.html.
Hoje, podemos afirmar que o modelo estrutural da cadeia da borracha natural do País segue, exceto raras exceções, a seguinte formulação:
Nivel 1. O produtor rural > vende o Coágulo para > Nivel 2. Usina Beneficiadora > que vende o GEB (Coágulo Processado) para > Nivel 03. Indústria Pneumática.
Heiko Rossmann – A associação tem trabalhado nos últimos anos reforçando a sua representação junto aos governos federal e estadual, atuando para criar um ambiente cada vez mais adequado para a expansão da heveicultura. Teve participação ativa na elaboração da Agenda Estratégica do Agronegócio Borracha no MAPA, por exemplo. Liderou o grupo que pedia a criação da Embrapa Seringueira, uma proposta que não foi aprovada, mas que resultou na proposta de criação de uma rede de pesquisa em seringueira a ser liderada pela Embrapa. Esta rede está em fase de formatação pela própria Embrapa.
Quanto ao tema educação e cultura do produtor, a principal ação é a realização de uma série de workshops durante o ano – serão 10 em 2013.
A APABOR não atua diretamente na área de pesquisa e desenvolvimento. Porém, por vezes é uma facilitadora, como no caso do trabalho desenvolvido pelo Instituto Florestal com a madeira de seringueira. Hoje, tem outras duas proposições de estudo em análise para definir como a APABOR pode facilitar os trabalhos.
Quanto à formação do preço, a associação lançou na década de 1990 o Preço de Referência APABOR para o GEB-10, cuja metodologia balizou o mercado nacional até setembro de 2006. A partir daí, um acordo entre usinas de beneficiamento e indústria pneumática definiu uma nova metodologia para o cálculo do preço da borracha brasileira. Hoje, o papel da associação é monitorar o mercado. Com isso, considera que nesta safra está ocorrendo uma sobrevalorização do coágulo no campo, o que achata ou anula a margem de lucro das usinas.
Não existe estoque oficial de borracha natural no Brasil. As fabricantes de pneus fazem estoque para garantir o funcionamento ininterrupto das suas unidades, seja com borracha natural nacional ou importada.
Transportepress.com – Eu comecei a conhecer mais o mundo da heveicultura através da indústria de pneus. Essa é a maior compradora de borracha natural no Brasil. Tenho conhecimento de que a Michelin tem duas unidades de processamento no País e de que a Dunlop também quer ou busca isso. Eu pergunto: todas as indústrias de pneus têm plantações ou processadoras? Qual o potencial de consumo desse setor?
Diogo Marques de Azevedo Esperante – Sobre a questão das indústrias pneumáticas buscarem modelos alternativos para participarem dos outros dois níveis da cadeia destaca-se o caso da Michelin, visto que as ações da Dunlop, no norte do Paraná, são ainda muito recentes e devem ser melhor analisadas com o decorrer dos próximos anos.
Sobre o caso Michelin temos duas frentes para analisar a política da empresa no país.
A estratégia de criar unidades de beneficiamento e a de estabelecer suas próprias unidades agrícolas de produção.
As plantações próprias não prosperaram. Veja a venda de uma de suas maiores plantações (em Itiquira-MT), para o grupo Maggi em 2009, hoje arrendada para a Hevea-Tech.
Isto criou um problema para a Michelin que agora precisa abastecer suas unidades de beneficiamento com compra a varejo. Estas compras, por sua vez, são realizadas por meio de agentes intermediários. Tal modelo é predominante em boa parte do Estado da Bahia, onde a empresa tem seu mercado cativo.
Em São Paulo essas estratégias, contudo, nunca emplacaram. Em grande parte, por ocasião do poder concorrencial das usinas beneficiadoras paulistas, e, também, por uma questão de cautela da Michelin (os resultados de um domínio da empresa em terras paulistas poderiam gerar constrangimentos junto ao CADE).
As estratégias adotadas, por fim, parecem ser pouco eficientes.
Temos observado, no entanto, outro movimento que merece maior atenção. Grupos de investidores, atentos ao potencial do setor, estão criando grandes áreas de produção e pretendem, mais adiante, estabelecer unidades beneficiadoras para atender esses pólos, ou seja, querem se estabelecer entre os níveis 1 e 2 da cadeia.
Esta estratégia faz bastante sentido se levarmos em conta que o mercado de borracha natural no País é “comprador” (dado o grande déficit de oferta). Assim, é mais vantajoso estar do lado da produção do que da indústria consumidora, a não ser que tenha volume suficiente para exercer influência sobre a indústria.
Neste sentido, destaca-se o projeto capitaneado pela CAUTEX FLORESTAL, que prevê R$ 2 bilhões de investimentos nos próximos 20 anos para formar um novo pólo de borracha no Estado do Mato Grosso.
Transportepress.com – Certamente o Brasil mais importa do que exporta borracha natural. Minha pergunta é: de onde vem a borracha natural importada pelo Brasil. Como ela afeta ou ajuda na configuração do mercado interno (por exemplo, melhoria da qualidade da borracha nacional), ou como a afeta, em preços não competitivos, por exemplo.
Diogo Marques de Azevedo Esperante – Como existe um déficit de 2/3 no consumo a importação é que dá o “tom” do mercado de borracha natural. Isto é, o preço doméstico é o preço internacional mais os custos de importação.
A indústria consumidora nacional abarca sem dificuldades a produção de borracha do Brasil. Em alguns casos a escolha da indústria não é de comprar a produção doméstica ou internacional, mas de diversificar a sua estratégia de compra de matéria prima, para não depender somente de uma fonte.
Todavia, certamente o aumento dos preços internacionais pressionaram os padrões de qualidade da borracha nacional. Nos últimos quatro anos identificamos uma maior preocupação por qualidade por parte das usinas beneficiadoras.
Transportepress.com – Como você, que vive o setor no dia a dia, vê o segmento da borracha natural no Brasil, as coisas extremamente positivas, as não tão positivas e o que deveria mudar.
Diogo Marques de Azevedo Esperante – O setor passa por um momento de grande expansão. Assim, estão surgindo muitas oportunidades para aperfeiçoamentos. Em relação à produção, o Brasil precisa aprofundar a formação de mão de obra, profissionalizar a gestão da produção agrícola e fomentar o trabalho dos centros de pesquisa.
Quanto ao beneficiamento, é importante destacar os esforços de empresas sérias no sentido de moralizar o setor quanto à questão fiscal. A ação do governo em reprimir a ação de grupos criminosos no setor, que se beneficiem de fraudes e evasões fiscais, é primordial para que as empresas sérias tenham bases sólidas para operar e prosperar no mercado.
Desta forma, estar mais visível ao poder público também é uma agenda importante para o setor.
Transportepress.com – O mundo dos pneus corre contra a heveicultura no sentido de buscar novos insumos (estudam-se hoje mais de 1.200 insumos que possam vir a substituir a borracha natural). Porque isso ocorre? Falta produção, risco de pragas, cartel no Sudeste da Ásia, ou o quê?
Diogo Marques de Azevedo Esperante – É importante que o setor busque alternativas viáveis a borracha natural – apesar de não ter havido nenhum sucesso nos últimos anos -, por duas razões principais:
1.As economias em expansão, ou novas potências econômicas (China, Índia, Brasil) têm um potencial de consumo que coloca em cheque não só a borracha natural, mas todo o mercado de commodity. Não há como o mundo produzir todo o insumo necessário para alimentar o potencial de consumo que ele abriga. Diversificar as fontes de insumos não é só inevitável, mas necessário.
2.A necessidade urgente de encontrarmos insumos derivados de fontes renováveis (devido a finitude certa dos combustíveis fósseis) abre para a borracha natural um amplo leque de possibilidades e mercados potenciais. Os estudos de granulados de borracha natural com nano compostos de argila, por exemplo, especulam sobre a possibilidade de substituirmos com este novo composto o “negro de fumo” na composição de pneus. Ou seja, se não encontramos meios de combinar crescimento de demanda e produção para os produtos que já temos o que se dirá de novos produtos.
Transportepress.com – De que modo as empresas de pneus ajudam ou atrapalham na formação de um mercado nacional de borracha natural?
Diogo Marques de Azevedo Esperante – Os esforços da Câmara Setorial da Borracha, combinando representantes de todos os níveis da cadeia, devem ser encorajados. Pois é por meio destes instrumentos que tanto a indústria como os produtores e beneficiadores poderão equilibrar suas agendas e torná-las visíveis ao setor público e, assim, colaborar com a formação de um mercado nacional de borracha natural.
Transportepress.com – Para onde vamos em 2013?
Diogo Marques de Azevedo Esperante – Acredito que não só em 2013, mas nos próximos quatro anos assistiremos no cenário doméstico uma grande mudança do setor devido a enorme expansão da produção que teremos com o início da exploração nos seringais plantados no final da última década. Isto trará, certamente, não só o aprofundamento dos desafios citados anteriormente como também novas agendas. No campo, a profissionalização da gestão será imperativa.
No cenário internacional acredito que a borracha natural continuará gozando de boa apreciação, sobretudo em razão da pressão de demanda chinesa, dando estabilidade para a dinâmica do mercado.