Investir para resolver os gargalos na mobilidade urbana não basta. É preciso desenvolver políticas com metas e referenciais desafiadores para alcançar resultados. Esse é o olhar dos especialistas em transporte, infraestrutura, planejamento, desenvolvimento urbano e tecnologia, que apresentaram diagnósticos e propostas para melhorar a mobilidade na região metropolitana de São Paulo no Simpósio SAE BRASIL de Inteligência na Mobilidade Urbana, realizado na última segunda-feira, 25, em São Paulo.
O encontro, que contou com transmissão simultânea para Porto Alegre, RS, abordou a mobilidade com o crescimento de mega cidades, os desafios para os administradores no planejamento e a expansão da infraestrutura, utilizando os avanços da tecnologia veicular e dos sistemas de comunicação e serviços hoje disponíveis. “O que a SAE BRASIL pode fazer para ajudar? O que o governo está fazendo?”, questionou Ricardo Reimer, presidente da SAE BRASIL, ao abrir o simpósio.
A VISÃO DO GOVERNO E BANCO MUNDIAL – Bernardo Alvim, especialista sênior em Transporte do Banco Mundial, falou sobre a complexidade dos desafios da mobilidade urbana. Mostrou estudo do banco que aponta questões estruturais, como ausência de projetos e a necessidade de mais investimentos em infraestrutura. Para Alvim, a política global do País não favorece a eficácia do transporte público. A variação acumulada de preços e custos dos insumos do transporte público de janeiro de 2012 a agosto de 2013 ficou acima da inflação (no ônibus subiu 111% no período), enquanto a do transporte individual ficou abaixo (no carro novo aumentou 27%). “A cultura operacional e administrativa do transporte não promove o equilíbrio entre o desempenho operacional e comercial do sistema”, destacou Alvim, para quem o setor deve estabelecer metas e referenciais desafiadores.
Jurandir Fernandes, secretário dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, disse que os projetos existem e que a legislação para o setor é rigorosa, mas os órgãos fiscalizadores estão desarmados. O secretário destacou que a concentração urbana e a complexidade da execução de projetos de expansão do metrô, são gargalos difíceis de serem superados. “Da concepção do empreendimento até a inauguração o prazo é de 8 anos”, frisou, ao explicar que em cada fase do projeto – concepção, desenvolvimento ambiental, civil, material rodante, e implantação – há inúmeras etapas a serem vencidas. Segundo o secretário as atuais obras da rede metroferroviária aumentarão a capacidade do sistema em mais 4 milhões de passageiros, levando a 11,2 milhões de passageiros por dia útil.
Marco Antonio Motta, diretor de Cidadania e Inclusão do Ministério das Cidades, ressaltou que na política nacional de mobilidade urbana as prioridades são para o transporte coletivo e para os modos não motorizados de transporte. Motta citou projetos em andamento, como o PAC Copa, e recursos orçamentários de R$ 50 bilhões para o Pacto da Mobilidade, que prevê ações nas regiões metropolitanas de sete capitais e em 10 municípios com mais de 700 mil habitantes, que inclui ABC e Baixada Santista. Dados apresentados por Motta apontam que o tempo gasto no deslocamento de 18,6% dos brasileiros para o trabalho nas regiões metropolitanas supera 1 hora e, entre os 10% mais pobres 30% estão excluídos do transporte público por falta de recursos para pagar a tarifa.
TECNOLOGIAS E INOVAÇÕES APLICADAS – Abel Carbonell, gerente de eletrônica da Applus+ IDIADA, mostrou o iShare, car concept elétrico com funcionalidades para a mobilidade urbana nas grandes cidades e sistema de uso compartilhado do veículo. “Trata-se de uma solução para a mobilidade, com tecnologias disponíveis adaptada às grandes cidades do mundo, cuja aplicabilidade pressupõe uma mudança cultural”, afirmou o executivo.
AmriTarsis, executivo de desenvolvimento de negócios da Cisco Systems, destacou que a evolução da Internet na mobilidade é uma realidade, mas nem todas as possibilidades possuem valor para serem adotadas. “A próxima onda é a conectividade entre as coisas, objetos inteligentes. Essa será a quinta revolução tecnológica dos tempos modernos, e o maior debate a ser travado é sobre a privacidade da informação”, sentenciou. Para Tarsis, as possibilidades tecnológicas são infinitas, mas incentivos econômicos são decisivos para haver sinergia entre elas.
Ricardo Kenzo, diretor de negócios, infraestrutura e cidades da Siemens, indicou a automação associada à eficiente utilização dos sistemas de transportes como resposta para a redução de congestionamentos, com resultados de otimização do uso da capacidade de transporte, disponibilidade de informações de trânsito em tempo real, promoção da segurança, e aumento de atratividade para o transporte coletivo.
INFRAESTRUTURA E MEIO AMBIENTE – Luiz Antonio Cortez Ferreira, coordenador executivo da ILATS, Iniciativa Latino-Americana para o Transporte Sustentável, defendeu que a construção da qualidade de vida nas grandes cidades deve ser o foco da mobilidade. “O Brasil tem um modelo de transporte que ocupa muito espaço, divide a cidade e deteriora o tecido social”, disse o arquiteto e urbanista, especialista em planejamento de transportes e gestão ambiental. Para Ferreira a aplicação de políticas de planejamento integrado de transporte e uso do solo deve ser prioridade para promover a mobilidade ativa – caminhar e pedalar.
Carlos Laurito, diretor da Sobratema, Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração, disse que a participação dos investimentos anunciados para a infraestrutura do transporte diante do PIB brasileiro é pífia. A participação caiu de 2,45% em 2009 para 2,00% em 2012 e não deve passar dos 2,4% este ano, quando, na visão do especialista, deveria ser de no mínimo 5%. “Temos esperança de chegar a 2018 com 3%”, anunciou. Laurito citou pesquisa da Sobratema com as principais construtoras, em que 89% indicam a burocracia como principal gargalo. Em seguida aparecem os modelos de licitação e contratação (67%), a diferença entre o discurso e a realidade (56%) e a deficiência logística (22%).
REGIÃO METROPOLITANA – Rovena Negreiros – “A mobilidade é um problema de escala, não de competência”, afirmou Rovena Negreiros, diretora da Emplasa. Para a dirigente, São Paulo deve ser avaliada como macrometrópole, que abrange a região metropolitana, Baixada Santista, Vale do Paraíba, e os municípios de Jundiaí, São Roque, Sorocaba, Bragantina, Campinas e Piracicaba. De acordo com Rovena, em 2010 a região somava 19,6 milhões de pessoas e o PIB de R$ 701,8 bilhões. Ela destacou o fato de que cerca de 1 milhão de pessoas usam da infraestrutura de São Paulo a cada dia, mas não moram na cidade.
Na análise de Rovena, a pressão sobre a mobilidade aumentou por uma feliz conjuntura de crescimento de renda, e a cidade precisa manter a capacidade de atrair investimentos mediante a indução da ocupação planejada do solo para áreas menos adensadas. Para a diretora da Emplasa, os principais desafios e gargalos de São Paulo são a manutenção da competitividade e/ou perda de sua posição econômica para outras regiões, infraestrutura econômica e social, inadequações da matriz de transportes, dificuldades de promover urbanização inclusiva e coesão territorial, baixo envolvimento do mercado e da sociedade, falta de transparência nas ações públicas e desarticulação dos governos.
Cláudio de Senna Frederico, consultor e membro da comissão de ônibus da ANTP, Associação Nacional de Transportes Públicos, disse que “para continuar perdendo basta organizar separando por federal, estadual e municipal, ou ônibus, metrô e trem”. Favorável à gestão operacional integrada, Senna afirmou que a cidade, o sistema, os hábitos e a sociedade precisam mudar. Defendeu soluções como espaço exclusivo para ônibus, melhorias na superfície e geometria das vias, restrições de estacionamento nas ruas e novas edificações, menos linhas superpostas, linhas expressas, melhor controle de tráfego, menos uso de carro em locais e horários determinados, frotas mistas de ônibus de acordo com os horários de pico, e mais câmeras para supervisão de segurança.
Ailton Brasiliense, presidente da ANTP, deu foco à política tarifária e à qualidade do transporte público, que qualificou precário. “A demanda do sistema ônibus está em declínio, perdendo para motos e carros, por que o órgão público abdicou da gestão operacional, as tarifas estão acima da inflação, sem referência de cálculo, e a oferta de serviços se caracteriza por tempo de espera elevado, falta de regularidade nos intervalos e lotação excessiva”, frisou. Brasiliense é favorável aos incentivos à ocupação mista da cidade nas áreas de corredores de transporte, eixos estruturais adensados e empregos em áreas de grande concentração de moradias, além de redes integradas de transporte com funções estabelecidas para cada modal. Para redução tarifária, sugere a redução de gratuidades, aplicação de descontos no vale transporte proporcionais aos salários, e divisão do pagamento da tarifa entre o usuário e governos.
A VISÃO DA PREFEITURA – Fernando de Mello Franco – “É impossível pensar só em âmbito municipal”, disse Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano de São Paulo. Franco informou que o atual plano diretor elaborado em 2002 está em revisão, e que os critérios vão mudar. De acordo com Mello, a Capital passará a se analisada como uma macro área dividida em regiões reclassificadas por: áreas de estruturação metropolitana, a partir dos eixos das várzeas do Tietê e Pinheiros; de qualificação de urbanização consolidada; de redução da vulnerabilidade urbana; de recuperação urbana e ambiental, de contenção urbana e uso sustentável e de preservação dos ecossistemas naturais. “A estratégia é equilibrar oferta de moradia e emprego e associar desenvolvimento urbano e mobilidade, com ampliação do transporte público em linhas de trem, metrô e corredores de ônibus, além de intensificar o uso do solo ao longo dos eixos de transporte”, disse.
INOVAÇÕES APLICADAS A PRODUTOS – Daniel Spinelli, gerente de Engenharia de Produto da Mercedes-Benz, mostrou as inovações para ônibus. “Buscamos inspiração nos desafios do transporte coletivo”, destacou. Spinelli classificou o sistema de transporte BRT (Bus Rapid Transit) como o modelo de transporte coletivo de média capacidade capaz de atingir o desempenho e qualidade de um sistema de metrô, com a simplicidade, flexibilidade e custo de um sistema de ônibus, além oferecer de soluções como previsão de partida, tempo de viagem, conforto de infraestrutura a acessibilidade.
Entre as novas tecnologias disponíveis, Spinelli apontou sistemas de segurança (assistente anti-colisão, visão noturna, optguide, sistemas de aviso e condução), acessibilidade (chassis integrados, portas de acesso para atender a diversos sistemas, ergonomia, piso baixo e plataformas), trânsito e comunicação (manobrabilidade, ocupação do solo por passageiro transportado, sistemas de comunicação veículo/veículo, infraestrutura/veiculo e com os passageiros, e gerenciamento da operação), conforto (suspensão a ar, motor traseiro, câmbio automático), emissões e propulsão alternativa (diesel/gás). O engenheiro falou ainda da importância da discussão conjunta entre órgãos regulamentadores e indústria para a viabilização de veículos e serviços que favoreçam os usuários de transporte coletivo, e defendeu a rentabilidade do sistema de transporte como premissa em todos os projetos.
Ayrton Amaral, gerente de Negócios da Volvo, apontou aspectos energéticos e ressaltou a importância de alternativas futuras para a mobilidade diante do crescimento do consumo. “O transporte urbano do futuro serão os BRTs articulados híbridos, com alimentadores plug-in de carregamento rápido nos terminais, trem metropolitano e BRT expresso movido a combustíveis limpos e também veículos 100% elétricos para zonas centrais”, disse.
Adalberto Maluf, diretor da cidade de São Paulo no C40, que reúne as 40 maiores cidades do mundo para a troca de experiências sustentáveis, discorreu sobre a demanda por eficiência energética e novas tecnologias em teste. Maluf mostrou que as cidades trabalham em várias frentes, com resultados positivos em testes. “Em São Paulo a eficiência energética é padronizada pela capacidade máxima de passageiros”, destacou. Para Maluf, o desafio é treinar motoristas, que influenciam variações no consumo do veículo pelo modo de dirigir. “O custo de operação e de manutenção afetam as economias mais do que os custos de capital”, finalizou.